"Entre as vozes profissionais
Anónimas e a anónimos dirigidas
Vi, desta, tão pouco minha, cama
O vulto de alguém conhecido
Para quem olhei com emoção
E com a saudade de um dia
Nunca sentida em anos
Com a tristeza que o tempo me impingiu
Quase imortal
Com algumas efémeras intermitências
Que agora sinto e sei
Só morrerão comigo.
Já não vivo, já mal existo
Já nem me consigo arrastar
Sou como um cão num cárcere
Que morre se quem o acompanha
O deixar de acompanhar.
Alheio à sua vontade
Preso, dependente.
Dependência, essa
Que agora sinto e sei
Só morrerá comigo.
E o vulto, meu sangue
Mostrou seus traços
Que diferentes seriam
Não fosse eu o avô.
Não seria minha neta, então.
Neta que já dependeu dos pais, dos avós
De quem o avô depende hoje
De quem dependerão os filhos
Antes da situação se inverter.
A felicidade de outrora
Só em raros momentos
Entre choros e sofrimentos
Põe a cabeça de fora
Incorporada nos meus próximos
Que sofrem comigo
E, assim, vai sobrevivendo
Falaciosa.
O meu organismo, que a morte ataca
Desde que a primeira célula se dividiu
É hoje um quase vegetal
Velho
Que as máquinas e as drogas comprimidas
Mantêm “vivo” e triste
Adiando o irremediável sono
Que me fará esquecer.
A esperança não morre por último
Que por último morrerei eu
E a esperança já morreu.
E comigo, serão comidas pela terra
A tristeza, o sofrimento e a doença
Que me atacam, fatalmente
Atacando-se também a si.
E, agora, tenho à minha frente quem me resta
A minha neta, o meu futuro
A minha felicidade
Que agora, enchendo-me de lágrimas tristes e felizes
Sinto a reconfortante certeza:
Não morrerá comigo."
em Se a Lua Viesse de Manhã
"E, agora, tenho à minha frente quem me resta
ResponderExcluirA minha neta, o meu futuro
A minha felicidade
Que agora, enchendo-me de lágrimas tristes e felizes
Sinto a reconfortante certeza:
Não morrerá comigo."
Magnifico !