"Não são os calendários
Não são as datas ou os ponteiros
Não é a repetição da rotatividade da terra
Originária das intermitências da luz
Isso é rotina.
É, sim, uma bacia cheia
De onde, pelo gargalo, se esvai a água
Até à secura;
É sim a cinza a tomar a mortalha
Até transformar em beata
Um cigarro que nunca o voltará a ser;
É a queima irreversível de um manuscrito
E a observação das suas letras esboroando-se;
É uma flor a degradar-se
Se lhe dispensarmos algum tempo de observação
Até a vermos murcha, qual uva tornada passa;
São olhos que choram vendo-se espelhados
Na oxidação de uma maçã;
São os traços que se desenham nas faces,
As circunvalações que se formam nas mãos,
A visão que vê partir a nitidez
Deixando de nos permitir observar
Com a precisão de outrora
Que é uma falha no céu
Onde um dia houve uma estrela e outro dia aparição;
Que é um cartaz ou um mural
Antes vivo e colorido
Agora russo e carcomido.
É a infinitude do Universo
É, sim, a rotatividade da terra
Das intermitências da luz originária
Mas numa mais abrangente visão
Em que o Sol não é mais o Sol do Big-Bang
Pois é vivo e vítima também;
Somos nós com o cansaço que nos corrói
Os órgãos que se tornam trôpegos
A tosse que percorre as nossas vias entupidas
A memória e a lembrança
A melancolia e a saudade
A esperança no depois
Seja qual for o depois.
É tudo
Uma bacia, um cigarro
Um manuscrito e uma flor
Uns olhos, uma maçã e uma uva
Os traços e as circunvalações
Uma estrela desaparecida
Um cartaz ou um mural
A rotatividade da terra
Nós, as vítimas
A vida, a morte
O tempo."
em Se a Lua Viesse de Manhã
Dos melhores poemas que escreveste :) Na minha opinião claro ! @
ResponderExcluirSim senhor...não estava a espera de outra coisa vindo de ti. A pratica faz a perfeição e tu um dia, talvez chegaras lá mas, da tua maneira!
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